"Sabia que ia me dedicar a este assunto pelo resto da minha vida"
Coordenadora geral e fundadora do Projeto Albatroz conta detalhes sobre os primeiros passos da instituição em busca do sucesso pela conservação de aves oceânicas, suas principais conquistas e também traça planos para o futuro
O ano era 1990 e você estava se graduando em Biologia em Santos (SP). Como surgiu a paixão pelas aves oceânicas, em especial os albatrozes e petréis?
Desde que cheguei em Santos comecei a exercer atividades náuticas, mergulhando na laje de santos e nos Alcatrazes com bastante frequência. Nessas ilhas, eu passei a ter contato com os ninhais das aves marinhas - não só dos atobás, que talvez sejam os mais comuns, mas também os trinta-réis e as fragatas. Essas aves me chamaram muita atenção e eu comecei a me dedicar a estudá-las, a entendê-las, e com isso conhecer mais sobre a biologia das aves marinhas e oceânicas, como os albatrozes e petréis. Logo no início da década de 90, chegou em Santos um pesquisador, aluno de pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), que estudava atuns. Ele desembarcou em Santos vindo de um cruzeiro de pesquisa e trouxe para o Instituto de Pesca alguns exemplares de albatrozes e petréis. As pessoas na época já me conheciam como alguém que se interessava por aves marinhas e fui chamada para identificar essas espécies. Em contato com esse estudante, Rogério de Melo, soube sobre a captura incidental de albatrozes e petréis nos barcos espinheleiros. Eu fiquei extremamente sensibilizada com a questão e em seguida, outro pesquisador e amigo, Eduardo Secchi, também veio de um barco como esse e me contou detalhes sobre a captura, porque o professor Carolus Maria Vooren já ensinava sobre o assunto em suas aulas na FURG. Então o Eduardo me apresentou a alguns mestres e comecei a fazer o monitoramento da captura nos barcos de pesca de Santos.
Hoje a produção científica nacional e em parceria com instituições estrangeiras é um dos eixos de trabalho do Projeto Albatroz. Existiam muitas informações à disposição no início do projeto? Como foram feitas as primeiras pesquisas?
Em 1991 foi publicado o primeiro artigo científico escrito pelo amigo Teodoro Vaske Júnior quantificando essa captura de albatrozes e petréis no Brasil, através de cruzeiros que ele, também aluno da FURG e do Vooren, fazia para estudar os peixes que eram capturados nesta pescaria. Ele acabou colhendo dados sobre o número de albatrozes, a interação deles com a pesca e publicou o primeiro paper quantificando dados sobre o assunto e as primeiras taxas de captura por esforço de pesca (CPUE) ou seja, o número de albatrozes capturados a cada mil anzóis. Foi algo muito alarmante para a época. Quando soube dessa problemática e dessas informações através dos alunos da FURG, comecei a fazer o monitoramento com a ajuda de alunos voluntários da Universidade Santa Cecília (Unisanta). Nos revezávamos para fazer esse trabalho diário no Terminal Pesqueiro de Santos (TPS) para abordar a frota atuneira para que os mestres das embarcações trouxessem para nós planilhas com os dados das capturas. Às vezes eles traziam as carcaças das aves para que fizéssemos a necrópsia e todo o trabalho laboratorial com apoio do Museu do Mar. Assim começou nosso trabalho, que foi apresentado depois na Primeira Conferência Internacional de Biologia e Conservação de Albatrozes e Petréis em Hobart, na Austrália. Fui convidada a apresentar os resultados, que depois acabaram se tornando o capítulo de um livro.
Naquela época, quando se deu conta de que estava criando uma iniciativa até então inédita no Brasil, quais eram seus sonhos? Quais deles você já conseguiu realizar?
Quando me deparei com o problema da captura incidental eu entendi que isso era uma emergência ambiental importante que precisava ser socorrida. Os albatrozes estavam sendo mortos, capturados indiscriminadamente em um problema que até então parecia não ter solução. Quando eu criei o Projeto Albatroz, apesar de ainda ser muito jovem, eu sabia que ia me dedicar a este assunto pelo resto da minha vida. Ter esse projeto estruturado era o meu sonho e ser reconhecida no Brasil era mais difícil do que no exterior. Nosso país é um hotspot de captura de aves e os pesquisadores estrangeiros sabem disso. Hoje temos quase 15 anos de patrocínio da Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental e tenho certeza que somos referência para muitas outras iniciativas socioambientais. Ao completarmos 30 anos de trabalho eu não poderia me sentir mais realizada. Porém, ainda há muito a ser feito. As medidas mitigadoras da captura foram desenvolvidas, são baratas e fáceis de usar, temos legislações que obrigam seu uso, os pescadores têm conhecimento sobre a questão, mas para a implementação dessas medidas de forma mais ampla e definitiva, ainda é necessária muita dedicação para que a gente consiga alcançar um nível de conservação adequada no Brasil e no mundo.
Como se deu a estratégia de aproximação com os pescadores para sensibilizá-los sobre a captura incidental no início dos anos 90? Qual é a importância da parceria com eles?
Quando comecei a trabalhar com os pescadores no Porto de Santos, a primeira coisa foi mostrar para os pescadores que a gente estava do lado deles. Que aquilo não era uma iniciativa com o intuito de punir, multar ou fazer julgamento de qualquer tipo sobre o trabalho que eles faziam. Pelo contrário, era uma iniciativa que mostrava que nós poderíamos ser parceiros na busca pela solução de um problema comum à pesca e ao meio ambiente, porque tínhamos ciência de que a captura não era intencional. Aos poucos, fomos conquistando a confiança dos pescadores e isso, principalmente nos primeiros anos do Projeto, foi uma das coisas mais importantes para nós. Nosso maior diferencial era tê-los ao nosso lado buscando soluções junto conosco e isso não tem preço - é nosso maior patrimônio.
"Nosso maior diferencial era ter os pescadores do nosso lado buscando soluções junto conosco e isso não tem preço - é nosso maior patrimônio".
Mesmo vivendo tão distantes da costa, você já teve a oportunidade de observar albatrozes de perto. Como é vê-los em seu habitat natural?
Por viverem sempre em alto-mar, os albatrozes e petréis não podem ser vistos de perto nas praias, como acontece com outras aves marinhas. Talvez por isso não sejam muito conhecidos. Porém, em lugares como Cabo Frio (RJ), é possível avistá-los com mais facilidade, principalmente durante o inverno. No litoral de São Paulo, a primeira vez que vi um albatroz foi em uma das minhas viagens de mergulho ao Parque Estadual Marinho da Laje de Santos, que fica a cerca de 20 milhas náuticas da costa. É incrível.
Ver um albatroz de perto é um privilégio, porque são aves que migram distâncias incríveis todos os anos. Alguns deles contornam o continente Antártico para vir da Nova Zelândia, onde se reproduzem, para se alimentar em águas brasileiras. São aves raras e ameaçadas de extinção, por isso vê-las em seu habitat natural, com o voo planado e sua delicadeza de movimentos mesmo enfrentando fortes rajadas de vento, é algo inspirador, de uma beleza única e que enche nossos corações de esperança.
Qual foi o momento mais emocionante para você profissionalmente neste últimos 30 anos?
É difícil escolher um único momento, porque me emociono com esse Projeto todos os dias,. É emocionante, claro, ainda jovem e sem nunca ter visto um albatroz em alto-mar, quando eu estava a bordo do navio oceanográfico "Atlântico Sul" e durante uma tempestade eu até seu ponto mais alto e veio um Albatroz-viageiro planando com uma destreza estonteante. O vento em alto-mar é uma coisa magnífica, forte, poderosa, mas também é assustador para nós, seres terrestres. Enquanto eu me sentia totalmente vulnerável, aquela ave voava com as asas rígidas como se estivesse parada me vigiando. Uma emoção como essa é muito rara e me sinto privilegiada por isso.
Eu tive muitas outras boas emoções, como vitórias importantes para o Projeto, sentir a confiança dos pescadores no que estamos fazendo. Me emociono vendo nossa equipe se dedicando para fazer o melhor trabalho possível para ajudar na conservação marinha, seja no administrativo, na comunicação, na educação ambiental. Me emociona ver as pessoas mobilizadas pela causa ambiental, ver as crianças fazendo parte desse processo e os professores criando atividades para abordar esse tema. Me emociona ver os futuros líderes ambientais que fazem parte do Coletivo Jovem Albatroz deixando o grupo e buscando seus próprios objetivos, construindo seus próprios projetos em prol do meio ambiente. Também me emociona ver o poder público tomando iniciativas e colocando a conservação dos albatrozes na agenda nacional, criando um plano nacional para combater as ameaças aos albatrozes, ver o Projeto Albatroz nas redes sociais, em um programa de TV, na primeira página de um jornal, mostrando que as pessoas realmente se importam com isso e que é uma questão importante para a sociedade de maneira geral. Em um mundo onde o imediatismo e o consumismo imperam, ver as pessoas se importando com essa causa me emociona demais.
"Em um mundo onde o imediatismo e o consumismo imperam, ver as pessoas se importando com a causa ambiental me emociona demais".
Quais são os planos para o futuro do Projeto Albatroz?
O Projeto Albatroz ainda almeja crescer. Uma das coisas importantes em termos institucionais que nós vamos fazer é a criação de um Centro de Visitação e Educação Ambiental Marinha na cidade de Cabo Frio (RJ). Ele será uma ferramenta essencial para o envolvimento tanto da comunidade local, através de ações e projetos voltados para capacitação das pessoas e geração de empregos diretos. É um projeto que tem o viés da comunicação para turistas e outros públicos fundamentais, mas ele tem também uma índole social. Para o Centro, também temos uma série de atividades voltadas aos pescadores, entre elas cursos de capacitação para a formação ambiental.
Qual mensagem você deixaria para aqueles que também lutam pela conservação ambiental?
Estamos prestes a entrar na década dos oceanos, de grande importância para a biodiversidade que ele abriga, lembrando o quanto é fundamental este meio ambiente para a manutenção da vida como um todo, e convidar a todos para que se engajem nesta questão. Acessando o site http://decada.ciencianomar.mctic.gov.br/, é possível saber mais sobre a programação para a década e de que forma todos podem e devem se engajar nesta questão. Não fique de fora. Se informe e dê sua contribuição para a Década dos Oceanos. Se todos nós fizermos a nossa parte, poderemos conservar e resguardar este ambiente para as gerações futuras.
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