Impacto da ingestão de resíduos plásticos por albatrozes é estudado no Brasil
Pesquisa analisa dados do Banco Nacional de Amostras de Albatrozes e Petréis (BAAP) e revela contaminação a nível global nos oceanos
Uma ameaça significativa para a vida de albatrozes e petréis, aves oceânicas ameaçadas de extinção, é a poluição dos oceanos por lixo plástico. De acordo com dados da Birdlife International (2018), a ingestão desse tipo de resíduo por essas aves tem sido cada vez mais relatada em várias espécies pelo mundo, incluindo as que se reproduzem em ilhas oceânicas isoladas e que ocorrem no Brasil. Para apoiar esse esforço global de conservação, a instituição argentina Centro Nacional Patagónico - Centro Científico Tecnológico del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CENPAT-CONICET), enviou representante ao país para capacitar pesquisadores a fim de detectar a presença de plástico no organismo de albatrozes. As amostras utilizadas no estudo fazem parte do Banco Nacional de Amostras de Albatrozes e Petréis (BAAP), uma iniciativa do Projeto Albatroz, patrocinado pela Petrobras, em conjunto com o CEMAVE/ICMBio e a R3 Animal.
A análise da presença de pequenos fragmentos de plástico no organismo de albatrozes e petréis, aves que pertencem ao grupo Procellariiformes, indica não somente o impacto da ingestão para a conservação dessas espécies, como também dos oceanos. Por serem um dos principais predadores dos oceanos, os albatrozes refletem de maneira significativa o conjunto de impactos que afetam suas presas - lulas e pequenos peixes, como sardinhas e cavalinhas – que representam todo um nível intermediário da cadeia alimentar. Por essa razão, as aves do grupo podem ser consideradas sentinelas da saúde oceânica.
Para viabilizar tal pesquisa no país, Luciana Gallo, pesquisadora da CENPAT-CONICET, está realizando capacitação em Cromatografia Gasosa, técnica analítica utilizada por ela nas pesquisas desenvolvidas em seu país, que tem por finalidade a separação de compostos, entre eles material biológico, a fim de identificar a possível presença de ftalatos. Os ftalatos são substâncias que podem ser encontradas no plástico e que podem causar efeitos prejudiciais aos organismos vivos. Pesquisadores do Projeto Albatroz, CEMAVE/ICMBio, R3 Animal e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) estão praticando e aperfeiçoando o aprendizado da técnica, analisando amostras biológicas do BAAP no laboratório da universidade, em Florianópolis (SC).
“Com a capacitação do Brasil, podemos realizar um esforço de pesquisa internacional conjunto e também repetir o processo com novas nações interessadas”, defende Alice Pereira, consultora técnica da base de Florianópolis (SC) do Projeto Albatroz e uma das responsáveis pela pesquisa. A proposta do estudo surgiu no âmbito do último encontro do Acordo Internacional para a Conservação de Albatrozes e Petréis (ACAP) de 2019 e é financiada por ele. Os resultados da pesquisa serão apresentados na próxima reunião, que ocorrerá em 2021, no Equador.
Alice aponta para a relevância do tema já que albatrozes e petréis são importantes indicadores de processos ecológicos alterados e de condições ambientais desfavoráveis nos oceanos. Ela explica ainda que os macroplásticos são mais frequentemente associados a efeitos diretos sobre a saúde quando ingeridos por animais marinhos, devido ao seu potencial para causar lesões, sufocar ou obstruir o trato gastrointestinal. Há indícios de que os microplásticos podem interferir no metabolismo hormonal de alguns organismos. No entanto, os danos dos microplásticos precisam ser mais estudados e este é o ponto a ser investigado na pesquisa.
Plástico x Albatrozes
A capacitação em Cromatografia Gasosa permite a detecção de ftalatos, compostos presentes no plástico. Para realizar a detecção, podem ser utilizadas a glândula uropigial dos albatrozes, localizada acima da cauda. O óleo produzido por meio desta glândula é aplicado pela ave em suas penas para impermeabilizá-las. Essa impermeabilização funciona como isolante térmico e os mantêm secos, por exemplo. Por ser um tipo de gordura, tem afinidade com os ftalatos que são lipossolúveis.
Alice alerta que os ftalatos podem interferir nos hormônios e no metabolismo da ave, entre outros danos a serem compreendidos. Um exemplo disso é o fato de que os microplásticos podem também concentrar Poluentes Orgânicos Persistentes (POP), componentes orgânicos com potencial contaminante presentes nos agrotóxicos. “Atestar a presença dessas partículas é apenas uma primeira etapa da pesquisa, a segunda é verificar como a presença destes compostos interferem na saúde dessas aves migratórias que atravessam fronteiras de países, oceanos e refletem a contaminação global pelo plástico”, completa Alice.
Pesquisa pode virar recomendação
Muitas espécies de Procellariiformes que ocorrem regularmente no Brasil estão contempladas nas estratégias de conservação do Plano de Ação Nacional para a Conservação de Albatrozes e Petréis (PLANACAP) desde 2006. O monitoramento dessas aves e a organização de suas amostras biológicas estão entre as ações do PLANACAP, sob responsabilidade do CEMAVE/ICMBio.
“A determinação de padrões de prevalência e dos tipos de macro e microplásticos em albatrozes e petréis, encontrados mortos ao longo das praias da costa brasileira, embasarão decisões de manejo das aves e a compreensão sobre a magnitude de contaminação dos oceanos”, afirma Alice Pereira. De acordo com ela, como a pesquisa aborda o impacto de plásticos nas espécies ameaçadas contempladas no PLANACAP, os resultados sobre a saúde destas populações fomentarão cientificamente a necessidade de recomendações mais objetivas para orientar campanhas de comunicação sobre a poluição dos oceanos, além de incentivar a criação de medidas de manejo e conservação dessas aves neste PAN.
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