Albatrozes-gigantes frequentam o Brasil durante todo o ano, revela estudo do Projeto Albatroz
Dados ajudam a entender melhor a distribuição de aves marinhas ameaçadas e subsidiar políticas públicas para a conservação destas espécies.
As águas brasileiras abrigam cerca de 40 espécies de aves da ordem dos Procellariiformes, número que representa um terço da diversidade global do grupo, e mais de dois terços da diversidade no Oceano Atlântico. Dentro desta categoria estão, também, quatro das seis espécies do gênero Diomedea, chamadas de albatrozes-gigantes: albatroz-viageiro (D. exulans), albatroz-real-do-sul (D. epomophora), albatroz-real-do-norte (D. sanfordi) e o albatroz-de-Tristão (D. dabbenena). Pesquisadores do Projeto Albatroz, patrocinado pela Petrobras, realizaram uma pesquisa com contagens de aves feitas em mais de 900 lances de pesca feitos nas regiões Sul e Sudeste do Brasil entre os anos de 2002 e 2017, revelando a presença destas quatro espécies durante todo o ano na costa brasileira. O estudo foi o primeiro a verificar a distribuição espacial e sazonal das diferentes espécies de albatrozes-gigantes associados a embarcações da frota nacional de espinhel pelágico.
Os albatrozes são espécies oceânicas subantárticas, ou seja, são aves que passam a maior parte da vida sobre o oceano e retornam às ilhas localizadas no Atlântico Sul e Nova Zelândia, a cada um ou dois anos, apenas para se reproduzir. Devido a fatores como poluição por microplástico, mudanças climáticas, introdução de espécies exóticas em seu habitat e especialmente a captura incidental pela pesca de espinhel, estas aves estão ameaçadas de extinção em diferentes níveis.
A frota de espinhel pelágico brasileira apresenta uma das maiores taxas de captura de aves marinhas do mundo. Estima-se que a pesca de espinhel globalmente seja responsável pela morte de até 320 mil aves marinhas anualmente e, destas, até 14 mil podem ocorrer em águas brasileiras, sendo 5 mil em pescarias de espinhel pelágico e 9 mil em pescarias de petrecho misto.
A pesquisa ‘Distribuição espaço-temporal de albatrozes-gigantes Diomedea spp. associados a pescarias de espinhel pelágico no sul e sudeste do Brasil’ buscou analisar a distribuição dessas espécies no Brasil e em águas internacionais adjacentes, a fim de gerar subsídios à avaliação de potencial impacto desta modalidade pesqueira na mortalidade das aves e subsidiar novas estratégias de conservação.
Distribuição sazonal
Embora os albatrozes sejam avistados próximos à costa brasileira com mais frequência durante o inverno, quando eles migram das águas geladas do Atlântico Sul em busca de alimento e temperaturas mais amenas, a pesquisa revelou que algumas espécies também podem ser encontradas no restante do ano. Dos 912 lances de pesca analisados na amostra da pesquisa, albatrozes-gigantes foram observados nas proximidades de 41,4% deles.
Os registros foram agrupados em quatro categorias, seguindo padrões de bico e plumagem: albatroz-viageiro e albatroz-de-Tristão, de difícil separação a partir de caracteres de plumagens, e distinguíveis apenas por morfometria, foram incluídas em uma categoria única; os albatrozes-reais do sul e do norte foram identificados como categorias separadas, com base em padrões de coloração da plumagem. Por fim, aves em condições que não permitiram ter suas características específicas avaliadas foram incluídas na categoria dos albatrozes-gigantes.
Entre a primavera e o verão, houve registro de albatrozes-gigantes em 35,5% dos 285 lances de pesca amostrados, e no período de outono/inverno, em 44,1% dos 627 lances. Os padrões de frequência de ocorrência por espécie variaram sazonalmente: nos meses quentes, o grupo formado por albatrozes-viageiros e albatrozes-de-Tristão foi o mais frequente (17,5%) nos arredores dos barcos de pesca, seguido pelos indivíduos não identificados em nível de espécie (12,6%), albatroz-real-do-sul (4,2%) e albatroz-real-do-norte (1%).
Já nos meses mais frios, o grupo de espécie não identificada foi o mais frequente no entorno dos barcos de pesca monitorados (18,5%), seguido pelo grupo albatrozes-viageiros e albatrozes-de-Tristão (13%), albatroz-real-do-norte (6,5%) e albatroz-real-do-sul (6,2%) (Tabela 1).
Interação e monitoramento
De acordo com Gabriel Canani Sampaio, biólogo doutorando em Oceanografia Biológica pela FURG e pesquisador colaborador do Projeto Albatroz em Rio Grande (RS), os dados da pesquisa expandem o conhecimento sobre a utilização da Zona Econômica Exclusiva brasileira, e águas internacionais adjacentes, por essas aves para além dos registros anteriores, especialmente no caso dos albatrozes-reais-do-sul (D. epomophora) e albatrozes-reais-do-sul (D. sanfordi).
“Entender os padrões de distribuição de espécies oceânicas é um desafio em qualquer cenário, seja por censos a bordo ou rastreamento. Fazer isso com espécies menos frequentes, como os albatrozes-reais, requer um esforço temporal e de amostragens extenso, de forma a dar mais robustez aos resultados. Neste trabalho utilizamos o maior banco de dados sobre avistagens dessas aves no Atlântico Sul Ocidental, que é o resultado de mais de 30 anos de parceria entre o Projeto Albatroz e empresas de pesca, que nos levam a bordo para realizarmos nossas pesquisas. Estes resultados são muito importantes, e reforçam que as regiões oceânicas brasileiras são muito importantes para os albatrozes e petréis.”
Outra espécie identificada em águas brasileiras durante todo o ano foi o albatroz-de-Tristão (D. dabbenena), criticamente ameaçada de extinção. Estima-se que a Ilha Gough e a Ilha Inacessível, únicos santuários de reprodução desta espécie no mundo, tenham cerca de 2500 casais reprodutivos. Dentre os resultados da pesquisa, um dos pontos importantes, é o fato de que estas aves estão em nossas águas durante o período de cuidado parental, devido à proximidade de suas colônias, sendo importantes para o sucesso reprodutivo da espécie.
Para o gerente técnico do Projeto Albatroz, Caio Marques, o estudo trouxe à tona dados relevantes que somam esforços à conservação em águas brasileiras e internacionais. “Os padrões de frequência de ocorrência e abundância revelados pela pesquisa demonstram a presença de albatrozes-gigantes durante todo o ano, nos ajudando a entender melhor a biodiversidade marinha brasileira e o potencial impacto da frota nacional de espinhel pelágico sobre essas espécies ameaçadas”, afirma. “Estes dados poderão ser compartilhados com pesquisadores dos países vizinhos e servir de subsídio para a criação de políticas públicas que contribuam para a conservação destas espécies em escala global”.
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